quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Observadores de estrelas

Dom Alberto Taveira
Arcebispo Metropolitano de Belém
A Igreja reza no início do ano, pedindo assim: “Ó Deus, que hoje revelastes o vosso Filho às nações, guiando-as pela estrela, concedei aos vossos servos e servas, que já vos conhecem pela fé, contemplar-vos um dia face a face no céu”. Até alcançar a meta, peregrinamos pela história, compartilhando a procura e o encontro com Deus. 

As celebrações da Igreja dão ritmo à aventura humana em busca do Céu. E a devoção popular preencheu nosso imaginário de tantas cenas decalcadas do Presépio, comemoradas por lindas tradições, com as quais a música e a dança souberam cantar em verso e prosa os episódios ligados ao Mistério da Encarnação do Verbo eterno de Deus. Das mais ricas de simbolismo é o Dia de Reis, Epifania, a manifestação de Jesus Cristo ao mundo, quando visitado por homens chegados do Oriente. Eram curiosos, cientistas de seu tempo, astrônomos ou astrólogos? 

Chamemo-los como quisermos, mas tinham uma característica que permanece até hoje, pois eram homens que procuravam ansiosamente a verdade. Olhando as estrelas ou seguindo rastros por terra, atrás deles há uma imensa multidão de homens e mulheres que perguntam, e nossa geração tem a responsabilidade de indicar-lhes o caminho, dizendo que o Messias nasceu em Belém de Judá. Pode acontecer que muitos fiquem decepcionados, por encontrar-nos mais “herodes” do que “sábios”. Nossas informações hão de ser sinceras e honestas, sem segundas intenções, sem pretender ocupar o lugar daquele rei nascido que é caminho, verdade e vida.

O Papa Bento XVI, num encontro de diálogo e oração com representantes de várias religiões do mundo, realizado no ultimo mês de outubro na cidade de Assis, num discurso antológico, constatou com sabedoria uma situação de nosso tempo: “Ao lado das duas realidades, religião e anti-religião, existe, no mundo do agnosticismo em expansão, outra orientação de fundo: pessoas às quais não foi concedido o dom de poder crer e todavia procuram a verdade, estão à procura de Deus. Tais pessoas não se limitam a afirmar ‘Não existe nenhum Deus’, mas elas sofrem devido à sua ausência e, procurando a verdade e o bem, estão, intimamente, a caminho dele. São ‘peregrinos da verdade, peregrinos da paz’. Colocam questões tanto a uma parte como à outra. Aos ateus combativos, tiram-lhes aquela falsa certeza com que pretendem saber que não existe um Deus, e convidam-nos a tornarem-se, em lugar de polêmicos, pessoas à procura, que não perdem a esperança de que a verdade exista e que nós podemos e devemos viver em função dela. Mas, tais pessoas chamam em causa também os membros das religiões, para que não considerem Deus como uma propriedade que de tal modo lhes pertence que se sintam autorizados à violência contra os demais. Estas pessoas procuram a verdade, procuram o verdadeiro Deus, cuja imagem não raramente fica escondida nas religiões, devido ao modo como eventualmente são praticadas. Que os agnósticos não consigam encontrar a Deus depende também dos que creem, com a sua imagem diminuída ou mesmo deturpada de Deus. Assim, a sua luta interior e o seu interrogar-se constituem para os que creem também um apelo a purificarem a sua fé, para que Deus – o verdadeiro Deus – se torne acessível. Por isto mesmo, convidei representantes deste terceiro grupo para o Encontro em Assis, que não reúne somente representantes de instituições religiosas. Trata-se de nos sentirmos juntos neste caminhar para a verdade, de nos comprometermos decisivamente pela dignidade do homem e de assumirmos juntos a causa da paz contra toda a espécie de violência que destrói o direito. Asseguro-vos que a Igreja Católica não desistirá da luta contra a violência, do seu compromisso pela paz no mundo. Vivemos animados pelo desejo comum de ser ‘peregrinos da verdade, peregrinos da paz’.”

A ousadia e a coragem do Papa põe em questão nossa prática religiosa e nos abre horizontes desafiadores no ano que se inicia, à luz da Festa da Epifania. Os homens e mulheres de fé, e apelo especialmente aos que comungam comigo a fé católica, são chamados a oferecer um testemunho autêntico de Jesus Cristo e de sua presença. Têm vocação parecida como a da estrela-guia que conduziu sábios à simplicidade da gruta de Belém Não tem sentido ser mais ou menos cristãos nem mais ou menos católicos. Somente Jesus Cristo vence as maiores resistências que possam existir. Não diminuir o evangelho nem pretender criar um cristianismo mitigado, pois isso não agrada ninguém. A convivência com pessoas que pensam de forma diferente será aberta, honesta e respeitosa, descobrindo o bem que existe em toda parte e oferecendo-lhe como dom as nossas convicções. Reconhecer nas estrelas que contemplam a sede de Deus, plantada indelevelmente no coração humano.

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